terça-feira, 27 de março de 2012

Vero

Falando dos podres
E dos mal interpretados
E dos decididamente devassos
E dos que bebem e não adoecem
E dos que se vingam sem perceber
E dos destruidores de sonhos cor-de-rosa.

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Aqueles seres com terra nas unhas dos pés
E vincos definidos entre as sobrancelhas
Homens que, de Deuses, nada têm
Senão a dignidade de não lisonjear a morte
De sequer gastar suas vozes
Puxando o saco do paraíso de anjos louros
E olhos cínicos.

.

Seres simples, feitos de terra batida
Que aceitam que o corpo perece
E isto não é, senão
Tão natural como o surgimento do chorume
E a resignação de quem
Do paradeiro das almas
De seus afetos e desafetos
Nada sabem
E continuam a se erguer da cama
Pra pegar o trem...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Última vez

Sem previsão,
Porém pressente-se
O último olhar
O último beijo
O último toque
O último afago
O último abraço

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Sem saber,
Cede lugar
A última palavra
A última mágoa
A última ofensa
A última discussão
A última lágrima
.

E, aos poucos, tudo cessa
O último amor
A primeira solidão.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Míssil Orgânico Perdido

Você já foi ao zoológico? Pois é. Ver os animaizinhos. Leões comendo carne e bocejando. Araras e papagaios fazendo um barulho dos infernos. Macacos fazendo toda sorte de esquisitices, inclusive jogar gosta pela grade. É! Cagar na mão e jogar a bosta porta a fora.

Imagine este exato macaquinho. Que lapso de praticidade! Fazer algo e se livrar do produto de modo simples. Que inveja!

Com base neste senso de praticidade, fiz algo parecido há alguns anos. Viajei para São Paulo! Visitei lugares impregnados de culturas diversas. Cada qual com suas manifestações linguísticas, artísticas e gastronômicas.

Para explorar esta magnífica miscelânea de hábitos e costumes, provei da lasanha ao quibe. O dia todo lendo, andando, visitando e comendo.

Por fim, entramos no ônibus e para o literal “camin da roça”. Na primeira parada, percebi que precisava colocar os líquidos para fora. Dos sólidos, nem sinal. Assim o fiz calmamente. Cantarolante!

Ao voltar para o ônibus, percebi que algo falava comigo. Língua estranha. De dentro para fora. “Talvez seja minha consciência (e pança) pesada.”

Luzes apagadas. Poltronas reclinadas. Senti um beliscão na barriga. Esbravejei em minha mente: “Oh pança! Não me envergonha.” E toca a viagem.

Foi questão de cinco minutos: senti como se houvesse uma tora de madeira intestino adentro batendo com força contra a porta de saída. Olhei para o céu e invoquei: “Nossa Senhora do parto, não é filho, mas me ajuda com essa dor!”

Comecei a suar frio. Enquanto as “contrações” vinham, eu pensava nas possibilidades: esperar a próxima parada? Impossível! O traseiro já devia estar com oito de dilatação. Pedir pra parar? E cagar no mato?????

Eis que veio a grande idéia: todo motorista e/ou guia turístico diz que o sanitário do ônibus é “desprovido de potência” para mandar o número 2 (no meu caso 3, quase 4) embora. Se existisse uma data propícia para verificar este mito era esta.

Entrei no banheiro em desespero. Concomitantemente ao ato de sentar, todas as culturas misturadas e oprimidas em meu organismo ganharam sua tão merecida liberdade. Peidei em todos os idiomas! Cada montante que passava era dolorosamente gratificante tal qual um parto.

Enfim, terminei a feitura da odisséia intestinal!!! Limpei-me cuidadosamente, pois o corpo se ressentia da batalha. No entanto, ao tentar enviar o inimigo a dimensões desconhecidas, o mito se fez verdade: a descarga do banheiro do ônibus não leva “merda nenhuma” embora.

Agora estava livre em relação a meu corpo, porém o que fazer com aquele Coliseu construído no vaso? Pensei em algumas alternativas: Deixá-lo ali mesmo? Não! Alguém descobriria o autor da obra de arte. Tentar dar descarga novamente? Que idiotice!
Abra-se um parênteses (mas não o feche, por favor) para o fedor. Não conseguia conceber que aquilo tivesse saído de dentro de mim. Então, abri a janela. Claro! Por que não?

Lembre da sabedoria dos animais... do macaco! Pensei friamente: “se cato o do meu cachorro, por que não o meu?”. Peguei bastante papel, uni toda a minha coragem ao mais refinado espírito de porco que havia em mim e catei um pedaço do monumento. Lancei-o janela a fora. Tive de repetir o processo umas 5 ou 6 vezes. Era muita matéria-prima.

Você não tem idéia da sensação de praticidade e, inclusive, liberdade que jogar merda pela janela pode proporcionar a um indivíduo. Simples. Inusitado. Silencioso. Quase poético. Lavei as mãos e fui descansar com alívio.

Poderia ter trincado o vidro de um carro? Sim. Poderia ter matado um andarilho? Sim. Poderia ter pintado a fachada de um posto de polícia rodoviária? Creio que sim. Mas... liberdade é risco! Vai saber se aconteceu e eu nem fiquei sabendo! E nem quero! Não é comigo...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Saudades estranhas

Sinto saudades...
Dos poemas que nunca escrevi
E dos homens por quem não morri.

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Sinto saudades...
Dos banhos de chuva recuados
E, por desejo, não ter chorado.

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Sinto saudades...
Do vento, que o meu rosto, jamais tocou
E dos discos, que o tempo escasso, silenciou.

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Sinto saudades...
Dos lugares que evitei visitar
E de palavras não ditas, sem brilho e ar.

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Sinto saudades...
Dos ideais que se ficaram por cumprir
E do último olhar d’alguém especial que não vi partir.

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Sinto saudades
Saudades estranhas...
Saudades entranhas...

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Sinto saudades...
Da vida, não da existência!
Da tua companhia, não da carência!

sábado, 10 de setembro de 2011

Conte até 150

Um dia acordei
Estava escuro
A janela aberta
Já não me clareava
A face
O corpo
A mente
A alma.

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Descobri, então
Que o Sol
Quis aparecer
Mas alguém achou
Que eu merecia trevas.

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Sim, roubaram o Meu Sol!
Arrancaram-no da minha janela
Porque ele era vermelho
E vermelho não é digno
Pra ser cor do Sol...
... mas de luz de bordel.

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Levaram; junto com meu Sol,
A possibilidade de eu mostrar
Para as pessoas
Como é belo
O Sol vermelho.

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É mais vivo!
É mais adorável!
É mais criativo!

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No entanto,
Outros invejosos
Que só tem um Sol anêmico
E sufocante
Daquele escaldante
Que secam
Que machucam
Que provocam dor
Amedrontaram-se.

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Amedrontaram-se
Com a idéia
De que o Sol
Não precise ser amarelo
Para todos
Pois nem todos gostam
Das mesmas cores
Pelo simples fator
Personalidade.

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Um conselho lhe digo
Não vendo não.
É de amigo:
Se, acaso,
Seu Sol também
Não é amarelo,
Ou a grama
De seu jardim
Jamais fora verde
Ou sua alma
Não é cinza
E lhe roubaram tudo isto
Conte até 150
Porque até 10 é pouco
Para conter a fúria
Dos autênticos
Dos destemidos
Dos satisfeitos
Dos nós...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Desprezo

Poderia conceder-te minha amizade
Se, de teus poros, a pobreza de espírito
Não exalasse num perfume acre
Que desconhece a sutileza de palavras.

Poderia tomar-te como esposa
Se a luz jamais tivesse, as tuas faces, tocado
E me revelasse este tom tão presente
De orgulho e amargura.

Poderia enxergar-te como imortal
Se teus grosseiros pensamentos permitissem
A profundidade e a carícia
De uma linha sentimental.

Poderia buscar as palavras mais belas
E casá-las com as estrelas mais brilhantes
Que, ainda assim, teu desprezo sinistro
Nos separaria como amantes.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Quando chegares

Quando chegares
Não te esqueças que me pertences
Quando chegares
Venha repleto de sonhos como presentes
Quando chegares
Desmancha-me o cabelo com afagos quentes
Quando chegares
Abraça-me e me diga notícias antigas e recentes
Quando chegares
Toma meus lábios à luz do poente
Quando chegares
Espero-o desnuda, iluminada sob a cera incandescente
Quando chegares
Entrego a ti minhas mãos inocentes
Quando chegares
Faz de minh’alma um poço indecente
Quando chegares
Se chegares
Quando chegares...